sexta-feira, 27 de março de 2009

Páginas e mais páginas - Cordilheira (Daniel Galera)


"Talking about my generation..."

Nasci em 1979. De certo modo, faço parte de uma espécie de nova “blank generation”. Ao longo dos anos os jovens sempre tiveram algo pelo que lutar, se engajar, se indignar. O pós-guerra, o flower power, a cena punk, as ditaduras militares da América latina, enfim, sempre houve algum “inimigo”. Porém, chegou o momento em que nada mais disso fazia sentido. Um momento em que aparece o tal do computador, a tal da internet. A tal da modernidade! Um momento em que o auge do engajamento é uma pacífica passeata com todo mundo vestido de branco. É exatamente aí que entra em cena a minha geração.

Daniel Galera, um cara que também nasceu em 1979, faz parte, é claro, dessa geração. Mas por algum motivo ele acabou se tornando uma exceção. Não vou cair na besteira de proferir pieguices hipócritas do tipo: “Ele tem um espírito isso ou aquilo” ou “Sabe o que quer e corre atrás”. Não! Ele simplesmente soube o que fazer e como fazer. Fez sem se importar se conseguiria o que de fato conseguiu. Aí entrou a sorte, elemento com o qual essa geração aprendeu a contar às vezes.

Fundou a Livros do Mal em algum fundo de quintal de Porto Alegre, cidade onde morou a maior parte da vida. Lançou, por essa editora “caseira”, a primeira edição de Até o dia em que o cão morreu, livro que originou o filme Cão sem dono, de Beto Brant. Caiu no gosto da galera (com o perdão do trocadilho) e da poderosa Companhia das Letras. Hype ou não, agora ele é sucesso entre a moçada “descolada” e principal nome da promessa de uma nova safra de escritores. É claro que a história toda é bem maior que essa, mas resumido assim está bom. Pois aqui chegamos ao objeto deste texto: Cordilheira, seu mais recente livro.

Cordilheira faz parte de uma coleção lançada pela Companhia das Letras chamada “Amores Expressos”. A idéia é enviar certo número de escritores, cada um para uma determinada cidade de mundo. A partir daí, cada um escreve uma obra de ficção baseada na experiência vivida por lá. De preferência, uma história de amor. Daniel Galera foi para a Argentina e o resultado é este trabalho. Antonio Prata em Shangai, Lourenço Mutarelli em Nova York e Adriana Lisboa em Paris são alguns exemplos de outros nomes presentes na coleção. Além de Bernardo Carvalho, que acaba de lançar O Filho da Mãe, produto de sua estadia em São Petersburgo.

Cordilheira narra a história de Anita, jovem escritora (que só conseguiu um sucesso, tempos atrás) desiludida da vida e da profissão que passa a rejeitar em nome do filho que tanto quer, desejo não compartilhado por seu namorado. Como se não bastasse, uma de suas melhores amigas comete suicídio, logo após a tentativa frustrada de outra delas. Nesse turbilhão de emoções negativas, Anita recebe o convite de um editor na Argentina para o lançamento de seu livro por lá. Decide aceitar, obstinada a ficar no país por muito mais tempo do que o necessário para o evento. Acredita poder encontrar nessa sua fuga a resposta para sua crise existencial. Lá conhece e se relaciona com um fã. Sua aventura portenha passa, então, a ser acompanhada por Holden e seus amigos de hábitos e idéias por vezes assustadores. A partir daí, dá prosseguimento ao seu desejo fixo de engravidar enquanto tenta entender o seu papel em uma intrigante trama.

É clichê dizer que Galera amadureceu nesse livro. O mesmo estilo tenso está lá, mas o fato de mudar sua personagem narradora para um mulher dá um certo crédito a mais. A história é bem construída e os desdobramentos se dão nos momentos certos. Além disso, se a intenção da coleção é fazer com que o leitor se sinta ambientado com a cidade em foco, ao menos este volume consegue dar conta do recado. Embora me pareça que esse é apenas um detalhe. Para Daniel Galera nem deve ter sido muito difícil, pois seu habitat natural é Porto Alegre, “quase ali”.

Eu não sei (ninguém sabe) se Daniel Galera e toda uma turma de escritores novos, dessa geração de fins dos anos 70, irá vingar. O vazio por vezes pode compensar-se e originar coisas grandes. Alguém já disse milhões de vezes que a arte nasce da dor. E poucas coisas são tão dolorosas quanto o vazio. E isso pode até ser bom!

Livro: Cordilheira
Autor: Daniel Galera
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 176
Preço:
R$37,00

Cordilheira, pelas palavras de seu autor:



4 comentários:

  1. ROBERTO (em caps lock porque, tive vontade de falar bem alto)! Poxa vida, o seu texto está sensacional. Lembrei das nossas conversas - hoje, um pouco perdidas na correria. Lembrei das questões, das angústias, que aparecem nos nossos rostos presos no movimento lento da rotina, de vez em quando. Esse texto me fez pensar em um montão de coisas. Deu vontade de escrever sobre um grito contido na garganta da nossa geração tão órfã de sentidos e ideais. Sabe, na verdade, ler seu post deixou um sentimento de busca por uma descoberta que responda o vazio e desespero da (nossa) moçada nascida nos anos 80. Vou tentar escrever algo. Fiquei instigada. Lerei o livro. E peço que você volte a escrever seus contos, logo. Porque, sinto que suas percepções andam mudando e muita coisa boa virá por aí.

    beijo. até.

    ResponderExcluir
  2. Velha roupa colorida, de certo, influenciou seu post! O medo do novo e ainda assim a necessidade de rejuvescer! Beijos!

    ResponderExcluir
  3. Don Mimi de las Maresias Buenas30 de março de 2009 às 20:26

    Os escritores dessa geração vão vingar se não ficarem numa "ação entre amigos".Escrevendo só para seus pares.O duro é acabar de ler seu post e querer ler o livro.A conta já esta astronomica.
    Abraços do Ogro

    ResponderExcluir
  4. aaaaaaaaahn!!! Lembro de você comentar sobre esse livro... muito bom!!!

    Ainda em tempo:
    os amigos de um conhecido tem um site com um podcast muito bom dá um bizu:
    http://www.jovemnerd.com.br

    ResponderExcluir