sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Memória Afetiva - Henfil

Não tinha como passar em branco!


Acho que se tem um cara que eu queria conhecer pessoalmente, esse cara é Henrique de Souza Filho, o Henfil. Uma coisa que lamento demais é que a única lembrança que tenho é de sua morte, vítima da AIDS contraída em uma transfusão de sangue. Só fui conhecer sua obra mesmo quando estava na faculdade. No lugar de livros teóricos, "Cartas da Mãe".

Todo mundo conhece seus personagens. Conhece o Henfil cartunista. Mas o que me cativa, encanta e até já fez chorar é o escritor. Uma das cabeças mais admiráveis dentre todos os meus ídolos. Alguns dos textos que mais me impactaram na saída da adolescência estão no livro acima citado.

E eu não tenho muito o que falar. Ontem, 05 de fevereiro, ele faria aniversário. E se sua obra não é difundida como eu acho que deveria, cabe a mim uma singela homenagem.

Abaixo, duas amostras:

"São Paulo, 11 de abril de 1979

Mãe,

Não suporto mais a saudade sufocante do meu irmão Betinho. Minha vida segue sem sentido e sem alegrias. Sai um disco do Chico e não consigo me entregar no canto que gostaria de partilhar com ele e com a Maria. O grito de gol fica preso no peito porque me sinto sozinho no Maracanã mais lotado.

Profissionalmente? Estou bem, muito bem. Mas eu queria que eles também se orgulhassem de mim ao receberem o jornal de manhãzinha na porta da casa deles, aqui, como todos. Faltam duas palmas, duas risadas brancas e quentinhas na hora em que as cartas são lidas ou as gracinhas são feitas na "Revista do Henfil".

Perdoa, mãe, mas biscoito de farinha só é gostoso se mastigado olhando nos olhos do irmão que sente na mesma hora a mesma delícia.

A bênção de um dos seus filhos,

Henfil"

"São Paulo, 1º de setembro de 1978.

Eu nunca soube amar. Eu nunca soube amar a cada um. Eu nunca soube amá-los como indivíduos. Eu nunca soube aceitá-los como feios, fracos e lentos. Tragam-me um doente e não chorarei com ele. Mas me mostrem um hospital e derramarei rios e mares. Eu não sei falar e ouvir um homem, uma mulher ou uma criança. Eu só sei fazer coletivo, massa, povo, conjunto. Sou capaz de ser herói, mas não sou capaz de ser enfermeiro. Sou capaz de ser grande, mas não sou capaz de ser pequeno. Eu nunca dei uma flor. Nunca amei uma pessoa. E tenho amor. Dou desenhos, dou textos, escrevo cartas. Sem contato manual, sem intimidade, sem entregar. Por que desenho, por que escrevo cartas? Minha arte é fruto da minha importância de viver com vocês. Um dia, vou rasgar o papel que escrevo, rasgar o bloco que desenho, rasgar até esse recado covarde e vou me melar e besuntar com vocês, tudo com meu grande beijo. Vocês vão me reconhecer fácil: vou ser o mais feliz de vocês.

Henfil"

3 comentários:

  1. "Eu nunca soube amar a cada um"... Engraçado! Sempre lembro de umas conversas que tinha com uma amiga, pois, ficávamos horas a fio tentando definir quem era o "povo", o "indivíduo". Até, eu decidir entrar na faculdade de Filosofia, para inverstigar tais conceitos. Hoje, o curso está no fim, e ainda tenho as mesmas questões do Henfil... Fico com vontade de peruntar: mãe, cadê o povo?
    Daí, angustiada, vejo que as dúvidas permanecem. Infelizmente, pouca coisa mudou. Ou, só piorou.

    Boa homenagem! Gostei!

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  2. Bela lembrança, de um cara esquecido pelas editoras.Don Mimi

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  3. Caraca, mais de 4 anos de namoro e eu não sabia dessa sua paixão pelo Henfil. Mas taí, é justamente essa a graça :)

    "Perdoa, mãe, mas biscoito de farinha só é gostoso se mastigado olhando nos olhos do irmão que sente na mesma hora a mesma delícia" é bem coisa de irmão mesmo. E, de longe, é o trecho mais bonito, simples e significativo para mim.

    Amo vc, moreno.
    Beijos

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