segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Páginas e mais páginas - Firmin (Sam Savage)

Animal racional até demais!

“...o rato Firmin, morador ilegal, vagabundo, vadio, pedante, voyer, roedor de livros, sonhador ridículo, mentiroso, charlatão e pervertido...”

Desde a minha infância, filmes com animais não me cativam. De Rin tin tin a Beethoven, nenhum deles nunca despertou o mínimo interesse meu. Não me importa o porquinho querendo ser cão pastor ou o papagaio que ensina a menina a falar corretamente. Acho sinceramente que o ser humano já é rico o suficiente em histórias alegres e tristes para que existam diretores que se preocupem seriamente em fazer filmes com cachorros, gatos, periquitos ou qualquer outro tipo de ser irracional.

Recentemente há uma onda dessas na literatura. Só para ficar em alguns poucos títulos de livros atuais que tratam de animais de estimação em suas páginas temos: Dewey, um gato entre livros, A arte de correr na chuva e, disparado o mais famoso, Marley e eu, que virou até filme.

Porém, e sempre tem um porém, o livro que me cativou nesse começo de ano fala sobre um animal. Não é fofo ou cheio de virtudes. Tem, inclusive, uma série de problemas emocionais bem sérios, que beiram uma crise existencial permanente. Seu nome é Firmin e ele é um rato!

Mas tenho motivos para defender que este é um livro diferente dos já citados. Firmin, o mais fraco dos treze filhotes de uma ratazana bêbada que pariu sua ninhada em cima de um velho exemplar de Finnegans Wake, de James Joyce, e que tinha apenas 12 tetas teve que se contentar em não sugar o leite de sua mãe por sempre perder espaço para os irmãos mais fortes. Para não morrer de fome, o instinto o fez roer pedaços de páginas dos livros que enchem o porão da livraria onde moravam. Foi isso que fez com que ele não adquirisse o vício da mãe, o que acabou por ser a sua salvação. E o próximo passo, é claro, foi parar de roer e aprender a ler.

Essa é uma razoável sinopse simples do começo dessa história. Firmin começa a frequentar, além da livraria, um cinema que passa filmes pornográficos depois da meia-noite. Entre sua paixão por livros e pelas fêmeas da raça humana que vê nas telas, vamos descobrindo sentimentos e angústias humanas. Um rato, por sua condição natural, nunca vai deixar de estar à margem. E este rato é duplamente marginalizado, já que mesmo que fosse humano não seria menos perturbado e de sensibilidade menos complexa.

Ainda tem mais. Sonha ser Fred Astaire, nutre uma paixão por Ginger Rogers e sabe da impossibilidade desse amor, muda seu nome para Heathcliff (O Morro dos Ventos Uivantes). Chega a pensar ser extraterrestre (quem de nós já não se sentiu assim?) e não consegue entender as regras do mundo, as normas que regem as ações dos homens. Por isso se decepciona quando mais tinha esperança em ser amado. E é finalmente amado quando achava que não havia mais chance disso acontecer.

Uma autêntica fábula moderna. Ao nos mostrar um animal tão humano, Sam Savage (um professor de Filosofia americano) nos aproxima, surpreendentemente, do universo desse animal sem precisar de lugares comuns ou de uma linguagem infantilizada. E, mesmo assim, após a leitura, quem é que tem coragem de olhá-los com os mesmos olhos?

Livro: Firmin

Autor: Sam Savage

Editora: Planeta

Páginas: 244

Preço: R$37,50


4 comentários:

  1. Nossa! Vc voltou com tudo, hein...
    Não vou comentar sobre o livro, porque, ainda estou lendo...
    Mas, gostei da resenha. Bem escrita! Deu vontade de conhecer mais quem é o Firmin, logo.
    É, Robert... Viva a estante caótica nossa de cada dia!!
    Apesar de achar a sua estante (na foto) muito arrumadinha... hehe
    Um beijo=)

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  2. Ah, que preconceito é esse com os coitados dos bichinhos cinematográficos? Tá certo que os roteiros normalmente são medíocres e os atores, sofríveis, mas eles são tão fofinhos... rs

    Em off: chorei horrores lendo Marley e Eu, tanto que preferi nem ver o filme. Mas please, não espalha.

    Quanto ao Firmin, boêmio esse ratinho, não?!
    Bom, depois você me empresta o livro, quero desvendar melhor essa criaturinha.
    Beijos, meu lindo!

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  3. Comento novamente porque agora tenho propriedade para falar disso, mas serei breve porque seu texto já diz, e muito bem, tudo o que precisa ser dito
    Adorei o Firmin. Não o livro, o rato. Adorei o livro, mas curti ainda mais o personagem. Bom, isso é papo de louco, já que o livro 'É' o personagem, pura e simplesmente sua essência: triste, inspirador e sonhador, como nós humanos, em uma eterna crise existencial.
    Resumindo: é foda, altamente recomendável!

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