segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Lá no alto da estante: Renato Teixeira & Pena Branca e Xavantinho - Ao vivo em Tatuí (1992)

Ouço as novidades. E sempre que acho relevante, as trago até aqui. Mas como filho de professor de história não posso deixar de olhar para a única coisa que temos de verdadeiramente nosso: o passado. Esta seção é para falar dos discos com o coração. Muito menos resenha, muito mais relatos sentimentais da importância que clássicos da música tiveram em minha vida. E na de vocês, quem sabe?



Música sertaneja é, hoje em dia, motivo de desconfiança. Não é para menos. Afinal, desde os anos 80 que duplas de vozes esganiçadas produzem uma música “qualquer nota” sob este rótulo e ganham notoriedade baseando-se em um suposto gosto popular duvidoso e carente de coisa boa de verdade. Mas nem sempre foi assim. Há, na raiz da música caipira, muito da poesia e do lamento do homem do interior. Coisa que não vemos hoje em dia, tempo em que o mais importante é “beber, cair e levantar” ou “pegar mulher”.

Em homenagem ao Pena Branca, que morreu este mês e fazia parte de uma das melhores duplas do país no estilo, abro uma seção de clássicos neste blog. E começo com um dos discos mais importantes e respeitados do gênero. Renato Teixeira & Pena Branca e Xavantinho, ao Vivo em Tatuí.

Renato Teixeira, dono do show e pouquíssimo reconhecido como um dos maiores compositores brasileiros, começa a apresentação com Amanheceu, peguei a viola, acompanhado pela dupla de irmãos. A platéia simplesmente aplaude e se cala para ouvir. Não há necessidade de frenesi. Mais do que cativar o público com o som da viola, ele tem o que dizer. É preciso ouvir, captar, entender. Emenda com Chalana, Rio de Lágrimas e Raízes. Todos clássicos do repertório caipira.

Aí volta a dupla pra acompanhá-lo na obrigatória Romaria. Catarse através de vozes que carregam todo o sofrimento do homem do campo. Mal se encerra em palmas o lindo momento e o anfitrião avisa “Agora vocês ficam com os “mano véio” aqui, ouvindo a essência da beleza da música caipira” e completa dizendo que Pena Branca e Xavantinho são a maior dupla do país. A simplicidade dos dois é comovente, e eles entram com uma versão devastadora de Cio da Terra, perfeita para essas vozes. Assim como as belíssimas Canção do Povo de um Lugar e Cuitelinho, também deixadas aos cuidados da dupla.

E o desfile de lindas canções continua. Eu nunca conseguirei entender como gente como essa não é hoje referência e continua à margem do chamado “grande mercado”. Nunca compreenderei como ainda tem gente que não conheça genialidades como Vide, Vida Marvada (“...É que a viola fala alto no meu peito humano / E toda moda é um remédio pros meus desengano / É que a viola fala alto no meu peito, mano / E toda a mágoa é um mistério fora desse plano...”). Depois vem Tocando em Frente, com um lirismo de cortar o coração. Raras vezes um compositor (a canção é de Renato em parceria com Almir Sater) versou tão bem sobre a vida, amores, vitórias e derrotas.

E como ninguém grita, aos quatro ventos, que Amora é uma das mais fantásticas canções de amor da música popular brasileira? Assim como Jardim de Fantasia. E para que ninguém diga que é só tristeza, quando se precisa de música de festa, também não há igual. Meu Veneno, Quebra de Milho e De papo pro á garante a animação.

Nesse disco, assim como em quase toda a produção sertaneja, há espaço para composições de outras pessoas. Vaca Estrela e Boi Fubá, por exemplo, é de Patativa do Assaré, poeta que, como ninguém, descreveu a vida do nordestino. Parece feita sob medida para as vozes de Pena Branca e Xavantinho.

A platéia até participa, faz um coro bonito em Chuá, Chuá e brinca com Renato Teixeira em Rapaz Caipira, que ele compôs para acabar com o preconceito que sempre existiu. E canta “...Que me importa o seu preconceito, que me importa?...” com o “r” bem puxado.

Escrevi esse texto com o coração. O coração de menino de família caipira que acordava nas manhãs de domingo com Amanheceu, peguei a viola na abertura do Globo Rural. O coração de quem reconhece a poesia não em textos complicados cheios de palavras inventadas, mas sim na simplicidade que o ser humano tem a oferecer. Pode ser que tenha sido um texto apaixonado e que isso comprometa um pouco a forma, mas nunca a beleza do disco analisado aqui. E quer saber do que mais? “Que me impoRRRRRta?”

Amora (Vídeo e letra)
Composição: Renato Teixeira



Depois da curva da estrada
Tem um pé de araçá
Sinto vir água nos olhos
Toda vez que passo lá

Sinto o coração flechado
Cercado de solidão
Penso que deve ser doce
A fruta do coração

Vou contar para o seu pai
Que você namora
Vou contar pra sua mãe
Que você me ignora

Vou pintar a minha boca
Do vermelho da amora
Que nasce lá no quintal
Da casa onde você mora.

4 comentários:

  1. Belo disco. Segue o link para quem quiser:

    http://www.megaup

    +

    load.com/?d=TN4ZPJYT

    (copie e cole as duas partes no navegador)

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  2. Lindo, maravilhoso, amei! Que post fantástico, Roberto. Eu, que confesso não ser muito conhecedora desse universo encantador, fiquei maravilhada e imaginando como seriam essas canções. Mas temos tempo, você logo coloca algumas para que eu possa apreciar :)
    Amo vc, menino de família caipira!

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  3. Roberto,
    se você escrever sempre com essa simplicidade e "com o coração", os teus textos serão belíssimos como o que acabei de ler. Tocante!
    E eu, como um santista que arrasta o "r", digo: não imporrrrrrrrrrrta se o mercado descarta a boa música. Os raros a conhecem.

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  4. Adorei a visita! Me pegou no flagra. Tb venho te visitar regularmente aqui. Quem sabe vc me ajuda a divulgar blogs la no meu? Beijo! e saudade!

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